Domingo, 14 de março, eu zapeava os canais de TV quando me deparei com uma atração paraense no Faustão. Tratava-se de um caboclo da Ilha de Mosqueiro que apresentaria um número músical. Já fiquei temerosa, pois é impressionante a capacidade da mídia em exibir a cultura paraense de forma deturpada, leviana e até mesmo pejorativa, já não bastasse o quantitativo de notícias que circulam nacionalmente sobre os crimes ambientais, assassinatos no Sul do Pará, corrupção, pedofilia etc, e que, claro, precisam ser noticiados, mas que sempre constrangem nosso orgulho de paraense.
Enfim, quando o caboclo começou o seu número senti enorme constrangimento, que mal conseguia olhar para a tela da TV, não pelo fato do indivíduo em questão ser um caboclo, entidade/personagem típica da nossa região, que muito nos orgulha, que merece respeito, e que está longe de ser caracterizado pelo o que aquele pobre senhor fez no palco do programa, mas pela falta de ética e respeito com que aquela vítima, transformada em bobo da corte, esteve "representando" o estado do Pará. Não obstante, a cena se repetiu no domingo seguinte e, nas segundas-feiras que seguiram, o jornal local da TV consignada da Rede Globo exibiu um bloco inteiro sobre o tal "Mike do Mosqueiro".
(21/04/2010)
Bem, eu comecei a escrever este post naquele período e pretendia contrapô-lo com a FFW Mag! de dezembro que exaltou brava e lindamente nossa cidade de Belém. Mas depois, ele ficou aqui esquecido, pela falta de tempo e pela sensação de impotência e vazio. Mas hoje, blogando, depois de um longo período de estio, encontrei no blog dos queridos da Cadicoisa o artigo do (tio) Lúcio Flávio Pinto, também personagem daquela edição da Mag!. Então, novamente, resolvi retomar este post, porque desde dezembro tenho vontade de comentar essa edição, que vale muito mais a pena e que nos devolve parte de nossa dignidade, do que a vergonha exibida no Faustão. Por isso, vou reproduzir aqui o artigo no publicado no Jornal Pessoal, nº 456, 1ª quinzena/janeiro 2010, e mais sobre a Mag! e sobre Belém não precisarei dizer.
Por Lúcio Flávio Pinto
"No seu 17º número, a revista Mag!, editada em São Paulo, se consolidou como uma das mais destacadas revistas brasileiras. É sobre moda, mas nem só, nem tão substancialmente. E mais sobre modo de viver, de se apresentar e de sentir. Feita com extremo bom gosto, sofisticação e doses de audácia e criatividade como há muito não se via na praça. Das 322 páginas, oficiais, mas que, na verdade, somam 366 com os dois suplementos (um para versão em inglês dos principais textos), mais da metade (186 páginas) é dedicada a Belém e aos paraenses.
Não é uma edição de "carregação", para faturar anúncios, que são raros, apenas de permuta e sustentação. O editor da revista escolheu cenários para os modelos apresentados e selecionou personagens locais que conquistaram um espaço próprio graças a seu valor, a começar pela modelo Caroline Ribeiro, que aparece na capa e em numerosas páginas internas. Outros paraenses entraram no portfólio de Mag! por serem realmente personagens nacionais e até internacionais. A posição, porém, foi conquistada, não caiu de graça nem se deve a mero marketing ou compra direta.
A leitura da belíssima edição pode ter utilidade pedagógica para o público paraense: ajuda-o a se libertar de uma tutela provinciana e medíocre, a que o submete a mídia local e os hábitos rotineiros nos quais se enredou. O olhar rigoroso dos visitantes que a revista trouxe para transformar Belém no principal tema de capa revela o que os nativos não vêem e os forçam a admitir valores que a cornucópia de compadrio e cumplicidade desmerece ou esconde.
Classe e ousadia
A cantora Fafá de Belém e a banda Calypso têm o tratamento de estrelas de primeira grandeza, mas enquadradas numa moldura rigorosa, que realça suas qualidades, freqüentemente desdenhadas pelo complexo de vira-lata dos colonizados (quando esse sentimento não se manifesta pelo seu oposto: o culto à ruindade, estabelecida graças à falta de avaliação crítica). Mas não é só de stars que se desenvolve a edição: há espaço para o Coletivo Rádio Cipó, "Rubão", Paulo Chaves Fernandes, Eloy Iglésias, Manoel Júnior, dona Onete, Gabi Amarantos, os DJs Elisson e Juninho, Walda Marques e até a "figura controvertida" do editor deste jornal, uma transgressão a que Mag! se permitiu provavelmente para assinalar o seu cosmopolitismo, capaz de ignorar misérias e mesquinharias provincianas (efeito comprovado pelo tratamento que O Liberal lhe dispensou, a pão e água).
O ensaio sobre o chalé Porto Arthur, em Mosqueiro, é um primor. Quase adquiriu movimento. Mesmo sem esse efeito, provocará ondas de melancolia e saudade nos que puderem apreciá-lo, graças às fotos de André Vieira e o texto de Marcos Guinoza.
Obrigado a todos que fizeram essa edição de Mag!. Com classe e a ousadia, nos libertaram dos grilhões da quadratura paraense dominante. Ao menos no curso de suas 186 páginas. Para guardar e rever sempre."
E para finalizar, deixo ainda para vocês o trecho da carta em que Mário de Andrade descreve apaixonadamente Belém a Manuel Bandeira, quando por aqui passou, em 1927.
(21/04/2010)
Bem, eu comecei a escrever este post naquele período e pretendia contrapô-lo com a FFW Mag! de dezembro que exaltou brava e lindamente nossa cidade de Belém. Mas depois, ele ficou aqui esquecido, pela falta de tempo e pela sensação de impotência e vazio. Mas hoje, blogando, depois de um longo período de estio, encontrei no blog dos queridos da Cadicoisa o artigo do (tio) Lúcio Flávio Pinto, também personagem daquela edição da Mag!. Então, novamente, resolvi retomar este post, porque desde dezembro tenho vontade de comentar essa edição, que vale muito mais a pena e que nos devolve parte de nossa dignidade, do que a vergonha exibida no Faustão. Por isso, vou reproduzir aqui o artigo no publicado no Jornal Pessoal, nº 456, 1ª quinzena/janeiro 2010, e mais sobre a Mag! e sobre Belém não precisarei dizer.
Por Lúcio Flávio Pinto
"No seu 17º número, a revista Mag!, editada em São Paulo, se consolidou como uma das mais destacadas revistas brasileiras. É sobre moda, mas nem só, nem tão substancialmente. E mais sobre modo de viver, de se apresentar e de sentir. Feita com extremo bom gosto, sofisticação e doses de audácia e criatividade como há muito não se via na praça. Das 322 páginas, oficiais, mas que, na verdade, somam 366 com os dois suplementos (um para versão em inglês dos principais textos), mais da metade (186 páginas) é dedicada a Belém e aos paraenses.
Não é uma edição de "carregação", para faturar anúncios, que são raros, apenas de permuta e sustentação. O editor da revista escolheu cenários para os modelos apresentados e selecionou personagens locais que conquistaram um espaço próprio graças a seu valor, a começar pela modelo Caroline Ribeiro, que aparece na capa e em numerosas páginas internas. Outros paraenses entraram no portfólio de Mag! por serem realmente personagens nacionais e até internacionais. A posição, porém, foi conquistada, não caiu de graça nem se deve a mero marketing ou compra direta.
A leitura da belíssima edição pode ter utilidade pedagógica para o público paraense: ajuda-o a se libertar de uma tutela provinciana e medíocre, a que o submete a mídia local e os hábitos rotineiros nos quais se enredou. O olhar rigoroso dos visitantes que a revista trouxe para transformar Belém no principal tema de capa revela o que os nativos não vêem e os forçam a admitir valores que a cornucópia de compadrio e cumplicidade desmerece ou esconde.
Classe e ousadia
A cantora Fafá de Belém e a banda Calypso têm o tratamento de estrelas de primeira grandeza, mas enquadradas numa moldura rigorosa, que realça suas qualidades, freqüentemente desdenhadas pelo complexo de vira-lata dos colonizados (quando esse sentimento não se manifesta pelo seu oposto: o culto à ruindade, estabelecida graças à falta de avaliação crítica). Mas não é só de stars que se desenvolve a edição: há espaço para o Coletivo Rádio Cipó, "Rubão", Paulo Chaves Fernandes, Eloy Iglésias, Manoel Júnior, dona Onete, Gabi Amarantos, os DJs Elisson e Juninho, Walda Marques e até a "figura controvertida" do editor deste jornal, uma transgressão a que Mag! se permitiu provavelmente para assinalar o seu cosmopolitismo, capaz de ignorar misérias e mesquinharias provincianas (efeito comprovado pelo tratamento que O Liberal lhe dispensou, a pão e água).
O ensaio sobre o chalé Porto Arthur, em Mosqueiro, é um primor. Quase adquiriu movimento. Mesmo sem esse efeito, provocará ondas de melancolia e saudade nos que puderem apreciá-lo, graças às fotos de André Vieira e o texto de Marcos Guinoza.
Obrigado a todos que fizeram essa edição de Mag!. Com classe e a ousadia, nos libertaram dos grilhões da quadratura paraense dominante. Ao menos no curso de suas 186 páginas. Para guardar e rever sempre."
E para finalizar, deixo ainda para vocês o trecho da carta em que Mário de Andrade descreve apaixonadamente Belém a Manuel Bandeira, quando por aqui passou, em 1927.
"...Porém me conquistar mesmo a ponto de ficar doendo no desejo, só Belém me conquistou assim.
Meu único ideal de agora em diante é passar uns meses morando no Grande Hotel de Belém.
O direito de sentar naquela terrasse em frente das mangueiras tapando o Theatro da Paz, sentar sem mais nada, chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí, você que conhece o mundo, conhece coisa melhor que isso, Manu? Me parece impossível.
Quero Belém como se quer um amor. É inconcebível o amor que Belém despertou em mim. E como já falei, sentar de linho branco depois da chuva na terrasse do Grande Hotel e tragar sorvete, sem vontade, só para agir." (Junho de 1927)
Besos,
Sil
2 comentários:
Sil, sabe q tive o mesmo sentimento q vc qdo vi a matéria, mas enfim, adorei o post! bjsss
Tb vi este episódio do Faustão e concordo com tudo que vc falou Sil. Até quando!?
Bj grande!
E belo post!
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